O Instante
#Spooktober2025 | Dia 4
O chão treme e o tempo abranda. O templo e todos nele páram, cristalizados na luz coada pelos vitrais, caleidoscópica.
Percorre-te uma aflição inominável. Não há nada a fazer e tu sabe-lo, mesmo não sabendo o que te aguarda no instante seguinte.
Uma catadupa de memórias sobrepõe-se, numa dança macabra e fantasmagórica, àquilo que os teus olhos veem:
quando finalmente filaste uma lebre e o pai ensinou-te a amanhá-la os nobres grisalhos com os seus berloques dourados noites frias passadas junto à fogueira apenas com o cão por companhia o clérigo calvo e emproado que tresanda a incenso as mulheres com túnicas buriladas que te prenderam a atenção durante a cerimónia quando foste nadar ao rio com os teus irmãos e a viste sentada na margem
Todos os reunidos viram as caras, boquiabertos, em busca da direção do ruído. Também a tua boca abre, reflexivamente.
Vendo-os, sabes que, como tu, rememoram vidas inteiras neste instante dilatado. É o prenúncio do fim de todas as amarguras e felicidades, de todas as dificuldades e alegrias – de tudo.
Neste instante, veem-se irmanados como nunca antes pensariam estar. No seguinte, dissipas e deixas de ser.
Este texto faz parte da minha participação no #Spooktober2025, promovido pela Rita S. através conta de Instagram Spooktoberwriters. Cada conto é inspirado numa música. A música deste conto é a Light of the Seven - Ramin Djawadi.

